sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Sobre a experiência de dirigir Después - solo de teatro dança.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
A direção do solo Después foi assim, um salto no vazio. Nunca dirigi dança, conheço nada de dramaturgia em dança. Nunca acompanhei uma dançarina criar seus movimentos. Não me restou outra coisa a fazer a não ser sentar e prestar atenção a tudo que ela me mostrava, não para entender ou para dirigir, mas para criar condições de estar presente de tal forma que seus movimentos me movessem, provocar algo por ter sido provocado. Atuar como diretor depois de ter sido movido pelos movimentos que eu precisava dirigir. Entendi, após a estreia do solo, que só assim pude assumir que fazia uma direção em dança, não pela qualidade ou acertividade de minhas indicações, mas pela potência que houve entre os elos que nos ligavam, dançarina e diretor,  ao processo criativo. Houveram ensaios em que fui dirigido ao ver uma nova cena. O que vi me afetou de maneira que soube como conduzir, como dar continuidade. E assim fomos desenrolando o trabalho. Abertos ao não saber. Se era teatro ou dança. Se era mais isso que aquilo. Se aquele ou aquele outro. Quanto mais distantes destas preocupações, mais espaço para experimentar. Às vezes acho que também dancei para poder dirigir, pois algumas sensações e idéias foram transmitidas pelo movimento, não pela palavra. Fui forçado a pensar. Isto me lembra um texto retirado de uma entrevista com a pesquisadora Suely Rolnik:

O que nos força (a pensar ) é o mal-estar que nos invade quando forças do ambiente em que vivemos e que são a própria consistência de nossa subjetividade, formam novas combinações, promovendo diferenças de estado sensível em relação aos estados que conhecíamos e nos quais nos situávamos. Neste momentos é como se estivéssemos fora de foco e reconquistar um foco, exige de nós o esforço de constituir uma nova figura. É aqui que entra o trabalho do pensamento: com ele fazemos a travessia destes estados sensíveis que embora reais são invisíveis e indizíveis, para o visível e o dizível. O pensamento, neste sentido, está a serviço da vida em sua potência criadora. (Entrevista a Lira Neto e Silvio Gadelha, publicada com este título in O Povo, Caderno Sábado: 06. Fortaleza, 18/11/95; com o título “A inteligência vem sempre depois” in Zero Hora, Caderno de Cultura. Porto Alegre, 09/12/95; p.8; e com o título “O filósofo inclassificável” in A Tarde, Caderno Cultural: 02-03. Salvador, 09/12/95.)

A cena do chá, como a chamamos intimamente, foi um destes momentos em que fui desfocado pela ação dançada da bailarina, e na busca por reencontrar meu foco, fui forçado a pensar, pensar diferente. Sob uma nova perspectiva, pois as que eu tinha até então não me serviam para acompanhar o que eu via.
Esta cena se transformou bastante desde sua primeira criação, e junto a ela fui me transformando também, recriando a matéria diretor moldada no universo teatral, para uma outra espécie de corpo diretor. Forçado a pensar. Desfocado. Presente. Atuante. Recriado.


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